quinta-feira, 23 de abril de 2009

eu mesma

A POSSIBILIDADE ELETRÔNICA DE UM OLHAR INTERIOR...
UM BRINDE DE MEIRE FERNANDES.


Audiovisual inspirado em um diálogo do filme BAR ESPERANÇA, dirigido por Hugo Carvana em 1983. É produzido a partir de colagem de fotografias femininas publicitárias, que refletem a imagem da mulher estereotipada, a figura magérrima e impecável da mulher ideal programada pela mídia. Junto às fotografias filmadas criam-se labirintos de palavras e frases soltas, fazendo um jogo com os textos do filme citado.
Em tons vermelho e laranja saturados, os sons misturam-se inventando um ambiente altamente subjetivo que questiona: eu também sou uma caricatura de mim mesma?


PASSARINHO - Ah, sei, tás aí fazendo caras de intelectual
fingindo que tem vida interior intensa, né?
Vocês não passam de uma caganita humana que se
vende pra televisão.
ZECA - Poupa meu saco, Passarinho ... Eu já me despedi
da tevê.
PASSARINHO - Ah, sei, tás aí fazendo caras de intelectual
independente fingindo que tem peito pra saltar
fora do sistema, né? Não passas de um chefe de
família burguesa e oportunista.
ZECA - Eu me separei da minha mulher, Passarinho. Vê
se me esquece, tá?
PASSARINHO - Ah, sei, tás agora fazendo caras de intelectual
liberado e homem vivido, aberto às novas
experiências sexuais reichianas, né? Não passas
de um machão latino, devasso, castrado e
castrador.
ZECA - Ô, Passarinho, te conheço há vinte e cinco
anos. Se você é meu amigo me deixa em paz aqui
com a minha birita.
PASSARINHO - Ah, sei, fazendo caras de intelectual com
grandes problemas existenciais que aparecerão
na sua própria peça de teatro, né? Sou teu
amigo mas você continua sendo um bundão.
ZECA - (Explodindo) Ô Passarinho, poupa-me da tua
amizade, tá? Poupa-me da sua amizade!!!
PASSARINHO - Ah, sei, fazendo caras de intelectual de
geração perdida, fingindo que é agressivo e
vingador, né? Seu Hemingway de merda!
ZECA - Que praga, você, Passarinho ... Eu tenho que
sair daqui, sumir, desaparecer, não agüento
mais! Vocês todos!
PASSARINHO - Ah, sei, fazendo agora caras de intelectual
marginal e metido a ecologista, anarquista,
fingindo de feminista, livre e selvagem, né?
ZECA Porra, não há guarda chuva contra você, hein,
Passarinho?!
PASSARINHO - Ah, sei, citando poema de João Cabral de Melo
Neto pra posar de sensível e bem informado, né,
ô babaca?!
ZECA - Já entendi. Só tem uma saída. Há anos você
provoca isso. Vamos sair na porrada! (Pessoas
em volta vendo a discussão e o desafio)
PASSARINHO - Ah, sei, posando de intelectual que toma
resoluções dostoievskyanas e vitais, ô babaca?!
ZECA - Mas não vamos brigar aqui no bar, não. Aqui tem
a turma do deixa-disso e separa a briga. Vamos
num lugar deserto, sair na porrada firme, até
um dos dois não agüentar mais levantar do chão.
Vamos lá! Agora vamos lá! (Pessoas olham, não
sabem se intervêm ou não, deixam-nos sair)
(Zeca já empurrando Passarinho para fora do
bar).
PASSARINHO - Ah, sei, fazendo caras de cowboy contido e
valente que explode, né, ô babaca?!
Zeca andando firme e decidido, Passarinho atrás dele. Andam por várias
ruas. Param. Olham-se desafiadores.
ZECA - Não, aqui não. Ainda tem gente que pode separar
a briga. Quero te arrebentar num lugar
sossegado!
Zeca - anda mais apressado e decidido. Passarinho segue-o (Andam por
outras ruas. Às vezes param, olham-se com ódio, seguem) (Chegam à
praia. Os dois param. Planos gerais dos dois na praia deserta. Eles
pulam para a areia. Andam em direção ao mar. Param).
ZECA - Então é isso mesmo, né, Passarinho?
Passarinho olha Zeca na defensiva.
ZECA - Como é que é? É porrada mesmo que você procura?
Passarinho olha Zeca na defensiva.
ZECA - Como é que é, ô porra?
Passarinho calado, na defensiva.
ZECA - Você é um fascistinha de merda. Cadê tua
agressividade agora? (Vai se exasperando) Como
é que é? Olha não dá pra te arrebentar assim a
frio. Me dá uma porrada na cara! Pra me subir o
sangue! Vai! (Expõe a cara) Dá! Dá uma porrada
na minha cara! (Passarinho olha-o sério).
Porra, você não é ninguém (Zeca explode) É uma
cabeça fascistinha rondando pelos bares! (Zeca
chuta areia, há uma cesta de lixo preto, Zeca
corre e chuta o lixo, chuta muitas vezes, tenta
destruir a cesta de metal. Não consegue.
machuca-se Zeca Transtornado).
Você é um merda. Eu sou um merda, isso aqui
tudo é um imenso cagalhão! Tudo isso é fraude,
é mentira, é hipocrisia - vocês, nós todos,
vocês pensam uma coisa, falam outra e fazem uma
terceira! Tudo bundão! Todos nós somos uns
bundões! Chega de mentir! Tudo bundão
mentiroso! Nós somos a caricatura de nós
mesmos!
O mar. A voz de Zeca aos gritos. Volta
Passarinho, perplexo, olha Zeca que chora desesperado, na areia,
no meio do lixo da lata. Fica um tempo assim. Passarinho tenta fazer
um gesto de se aproximar de Zeca mas é incapaz. Plano geral. Os dois
parados na praia entre o mar e os edifícios. Ao longe os soluços de
Zeca. Volta plano próximo. Zeca se recompõe.
ZECA -Troço mais ridículo ... Quanta babaquice ...
Tudo babaquice, caricatura ...
Zeca se aproxima de Passarinho, de repente. Passarinho assusta-se e
faz um gesto de defesa. Zeca ri.
ZECA - Não é nada não, ô meu irmão em babaquice. É só
pra evitar o vexame. Todo mundo viu a gente
sair pra brigar. Então vamos voltar com cara de
quem brigou.
Zeca - despenteia Passarinho aos tapas, rasga-lhe a camisa, abre e
decompõe sua própria camisa e seu próprio cabelo.
ZECA - Vamos embora, que você não é nada.
Andam de volta à calçada. Calados. Sobem a calçada.
PASSARINHO Ah, sei, agora estás fazendo caras de
intelectual desesperado que não tem nada a
perder na vida ...
Zeca olha-o com ódio. Depois começa a rir, gargalhadas, morre de rir.
Passarinho olha-o sério. Zeca, chorando de tanto rir, abraça
Passarinho e vão os dois, bêbados, atravessando a Vieira Souto, de
volta.
ZECA (Às gargalhadas) É ... Vamos voltar pro bar,
mesmo. É o nosso refúgio ...

EVENTO QUE PARTICIPOU:
16 FESTIVÍDEO, (PI), 2008.

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